Desde 2019, ao menos 31 parlamentares de 11 partidos atuaram para enfraquecer os mecanismos de controle sobre descontos feitos em aposentadorias e pensões pagas pelo INSS. À época, a medida passou despercebida pela opinião pública. Hoje, à luz das investigações da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU), ela ganha novos contornos, apontando responsabilidades políticas pela fragilidade que permitiu a aplicação de descontos fraudulentos em milhões de beneficiários da Previdência Social.
A movimentação no Congresso teve início com a edição da Medida Provisória 871, assinada ainda no governo Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019. O texto original previa a revalidação anual das autorizações de desconto repassadas a associações de aposentados, como forma de combater fraudes e manter atualizado o cadastro de consignações no INSS.
A resposta parlamentar foi imediata. Em vez de apoiar o endurecimento das regras, deputados de diversas legendas se mobilizaram para derrubar ou suavizar os mecanismos de controle. A maioria propôs que a revalidação ocorresse apenas a cada cinco anos. Outros, mais incisivos, tentaram suprimir integralmente o artigo 25 da MP — justamente o que tratava das exigências de revalidação e fiscalização dos descontos.
Entre os 31 parlamentares que atuaram diretamente nesse processo, destacam-se nomes da base aliada do governo Lula, como 11 deputados do PT, cinco do PSOL, três do PSB, dois do PCdoB, dois do MDB, dois do Republicanos, dois do PSDB, além de representantes de partidos como Solidariedade, PL, PDT e PSC.
Ministro da Previdência na lista
Entre os parlamentares envolvidos, estão Wolney Queiroz (PDT-PE), atual ministro da Previdência Social, e Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Também aparecem Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP), Heitor Schuch (PSB-RS), Daniel Almeida (PCdoB-BA), Zé Neto (PT-BA), Luiz Carlos Motta (PL-SP), Patrus Ananias (PT-MG), Hildo Rocha (MDB-MA), Tereza Nelma (PSDB-AL), entre outros.
À época, os argumentos usados pelos parlamentares eram de que a exigência anual seria "burocrática" e poderia representar uma interferência na liberdade de associação dos aposentados. O Planalto cedeu à pressão do Congresso e aceitou as alterações, tornando os mecanismos de fiscalização mais frágeis — exatamente como desejavam as entidades que hoje estão no centro das denúncias.
Fraudes, descontos abusivos e rombo milionário
Em 2024, as consequências da flexibilização se materializaram em uma investigação da Polícia Federal, que revelou um esquema de descontos fraudulentos aplicados diretamente nos contracheques de aposentados e pensionistas, sem autorização prévia ou com documentos falsificados.
Entidades como a Conafer (Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Rurais) são investigadas por aplicar descontos até 180% acima do autorizado, em valores que ultrapassam R$ 277 milhões, segundo os dados mais recentes da PF e da CGU.
A brecha explorada pelas entidades foi justamente a falta de revalidação periódica, que teria permitido detectar e interromper os descontos indevidos. A medida original do governo Bolsonaro, se aprovada como proposta, teria exigido a renovação anual das autorizações e oferecido maior controle digital sobre as operações.
Reações e silêncio
Com a repercussão das investigações, nomes de parlamentares que atuaram para derrubar o artigo 25 da MP 871 voltaram à tona. Entre eles, o agora ministro Wolney Queiroz, cuja atuação para enfraquecer a fiscalização em 2019 levanta questionamentos sobre sua posição atual na chefia do Ministério da Previdência — exatamente o órgão responsável por garantir a integridade do sistema de aposentadorias.
Até o momento, não houve manifestação oficial da maioria dos deputados envolvidos. A CGU e o Ministério da Previdência anunciaram novas medidas para reforçar os mecanismos de controle, mas sem apontar responsabilidades políticas pela fragilização da legislação em 2019.
Enquanto isso, milhões de aposentados seguem em risco de descontos indevidos, e o sistema de proteção social brasileiro convive com uma fragilidade construída de forma silenciosa no Congresso Nacional.
Fonte- Hora Brasília
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