No mapa geoestratégico da destruição, o Brasil aparece como uma ilha de estabilidade. Longe do alcance imediato de mísseis nucleares, ausente de conflitos territoriais diretos e com uma postura histórica de neutralidade, somos, aparentemente, invisíveis aos radares do apocalipse. No entanto, essa visão confortável não resiste à análise fria da realidade internacional contemporânea.
A neutralidade brasileira nunca foi testada sob as forças de um mundo reordenado por alianças bélicas assimétricas, redes tecnológicas militarizadas e guerras de informação. E é aí que mora o perigo: não ser atacado não significa estar seguro. Significa, talvez, apenas estar fora do jogo.
A geografia já não é mais um escudo
A tese de que “o Brasil está seguro por estar longe” carrega um erro epistemológico clássico: confundir distância geográfica com irrelevância estratégica. Em um cenário onde os conflitos híbridos superam o campo físico e a guerra se dá também por circuitos de energia, dados e influência, a geografia perdeu o monopólio da segurança nacional.
Mísseis hipersônicos, satélites de vigilância, inteligência artificial aplicada à guerra, ataques cibernéticos em escala: todos esses instrumentos podem atravessar continentes sem um único disparo físico. O Brasil, por sua vez, possui redes energéticas frágeis, uma infraestrutura digital vulnerável e depende de sistemas logísticos globais para sobreviver. Em um conflito nuclear, não precisamos ser alvos diretos para sofrer efeitos catastróficos.
O governo atual e o risco da diplomacia simbólica
O atual governo brasileiro, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, tenta resgatar a diplomacia ativa dos anos 2000, apostando no multilateralismo, no protagonismo do sul global e em uma retórica de pacificação global. A retórica, no entanto, precisa ser acompanhada por coerência estratégica. E é aí que o governo tropeça.
Ao flertar com ambiguidade em relação à guerra da Ucrânia, ao criticar a OTAN e ao manter relações calorosas com regimes como Venezuela, Irã, Rússia e China todos sob tensões com o Ocidente o Brasil corre o risco de ser percebido como um ator imprevisível ou, pior, como um país em cima do muro.
Em tempos de paz, isso pode parecer diplomacia madura. Em tempos de guerra, pode ser lido como fraqueza ou oportunismo. E nesse tabuleiro, países frágeis não são respeitados são ignorados.
O paradoxo do país invisível: irrelevância é mais perigosa que ameaça
A ausência de alianças militares fortes, somada à dependência tecnológica do exterior e à falta de capacidade bélica de dissuasão, torna o Brasil um país sem voz, sem alavancas e sem escudo. O maior risco não é sermos atacados é sermos irrelevantes.
Se e quando o mundo entrar em um ciclo de instabilidade atômica, os acordos internacionais, pactos de não proliferação, redes de suprimentos e rotas comerciais serão renegociados com base em interesses e alianças de sobrevivência. E o Brasil, caso continue sendo um espectador periférico, terá que aceitar os termos impostos por quem realmente joga o jogo.
O que fazer?
Não estou defendendo a militarização do Brasil. Estou defendendo lucidez estratégica. O país precisa:
* Redefinir sua política externa com base em realismo e não em utopia ideológica.
* Reforçar sua segurança cibernética e energética com investimentos e parcerias estratégicas.
* Estabelecer uma presença diplomática firme e ética, mas ancorada em interesses reais e não em narrativas simpáticas.
* Fortalecer sua influência como potência agrícola, ambiental e humanitária, mas com profissionalismo técnico e não sentimentalismo.
Conclusão: o Brasil não precisa ser uma superpotência nuclear. Mas precisa parar de agir como se vivesse num mundo que já não existe.
O Brasil é um país sem inimigos ainda. Mas também é um país sem aliados confiáveis. E num mundo que caminha para a reconfiguração de poderes, isso é perigosamente semelhante à solidão estratégica.
Mila Schneider Lavelle é jornalista com formação também em teologia e especialista em Marketing, tendo atuado como Head Manager de grandes projetos internacionais e nacionais. Reconhecida por sua análise crítica e estilo incisivo, é também influenciadora digital, com ênfase em geopolítica e temas internacionais, sobretudo ligados ao Oriente Médio.
Rodrigo Mantovanelli 08/07/2025
O Brasil pode vir a se envolver em uma guerra na região, aqui perto de casa mesmo, e chama a atenção o seu despreparo diante do atual clima global de conflito. O mundo se preparando para o conflito que já começou e o Brasil está ladeira abaixo..
Augusto Silva 29/06/2025
Parabéns pela análise realista dos fatos.
Elygia 26/06/2025
Admiro todas as matérias dessa jornalista além de lindaé coerente, clara e inteligente em suas colocações e de um português corretíssimo
3 comentários