O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta segunda-feira (14) a suspensão de todos os processos no país que discutem a legalidade da chamada "pejotização" — prática em que empresas contratam trabalhadores como pessoa jurídica, em vez de vínculo formal regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A decisão vale para ações em qualquer fase ou instância, que agora deverão aguardar até que o plenário do STF julgue o mérito da questão. Não há prazo definido para esse julgamento, o que pode levar anos. Enquanto isso, as discussões judiciais sobre o tema permanecem paralisadas.
A medida tem grande impacto no Judiciário. Segundo a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), apenas em 2024 foram ajuizadas cerca de 460 mil ações buscando o reconhecimento de vínculo empregatício. O número total de processos suspensos ainda será informado ao Supremo pelos tribunais de todo o país.
A suspensão nacional é um instrumento excepcional, adotado quando o STF começa a receber uma quantidade significativa de recursos sobre um mesmo tema. Nesses casos, o tribunal costuma eleger um processo com “repercussão geral” para servir de referência a todas as demais decisões.
Pejotização x Terceirização
O debate sobre a pejotização no Brasil se intensificou após a decisão do STF, em 2018, que autorizou a terceirização irrestrita, inclusive nas atividades-fim das empresas. Desde então, aumentaram as ações em que empresas contestam decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem vínculo empregatício em casos de contratação via pessoa jurídica.
Para o professor Rodrigo Carelli, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Supremo está confundindo terceirização com pejotização. “Mesmo que se autorize a terceirização, isso não dá respaldo para encobrir relações de trabalho formais com contratos de prestação de serviço”, afirmou. Ele alerta que decisões recentes do STF têm enfraquecido a aplicação da CLT, estimulando a precarização.
Segundo Carelli, a pejotização é uma prática antiga, combatida inclusive por organismos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que desde 2006 recomenda medidas contra a disfarçada contratação de empregados sob outros formatos contratuais.
Impacto para trabalhadores e empresas
A decisão do Supremo gera reações distintas. Para advogados empresariais, a suspensão dos processos traz previsibilidade. O advogado Mauricio Pepe, sócio do escritório Dias Carneiro, avalia que o Supremo está tentando impor um "freio de arrumação" no Judiciário. “É uma oportunidade para o STF dar uma resposta definitiva sobre a validade desses contratos”, afirmou.
A advogada Elisa Alonso, do RCA Advogados, considera a suspensão um "alívio momentâneo" para as empresas, que alegam precisar de modelos flexíveis de contratação. No entanto, ela admite que, em muitos casos, a pejotização esconde relações trabalhistas típicas, com subordinação, habitualidade e pessoalidade — mas sem os direitos garantidos pela carteira assinada, como férias, 13º salário, FGTS e previdência.
— Nestes casos, a pejotização se transforma em um mecanismo de precarização — ressaltou.
Perda de direitos e impacto fiscal
O economista Nelson Marconi, professor da FGV, alerta que a pejotização também reduz o poder de negociação coletiva dos trabalhadores, já que contratos via pessoa jurídica dificultam a organização sindical e o diálogo com empregadores.
Marconi é autor de um estudo que estima as perdas fiscais decorrentes da pejotização. Entre 2017 e 2023, a União pode ter deixado de arrecadar cerca de R$ 89 bilhões por conta de vínculos formais substituídos por contratos com microempreendedores. Caso a pejotização avance e atinja metade da força de trabalho formal do país, as perdas podem ultrapassar os R$ 300 bilhões nos próximos anos.
Enquanto o Supremo não julga o tema, o país vive entre duas forças: o apelo empresarial por flexibilidade e o risco de enfraquecimento da proteção trabalhista.