Por José Rodrigues*
Ao longo desse artigo iremos abordar juridicamente porque os edis não podem simplesmente gravar vídeos acusatórios sobre os atos da administração pública e divulgar nas suas redes sociais. Porque isso configura uma ilegalidade e descumprimento de suas obrigações enquanto vereadores.
Estamos em ano de eleições para Prefeitos e Vereadores. Por isso é importante sempre lembrar quais são as verdadeiras funções desses servidores públicos com mandato eletivo.
Originário do grego antigo, o vocábulo vereador vem da palavra “verea”, que significa vereda, caminho. O vereador, portanto, seria o que vereia, trilha, ou orienta os caminhos. Ele tem o poder de ouvir o que os eleitores querem, propor e aprovar esses pedidos na câmara municipal e fiscalizar se o prefeito e seus secretários estão colocando essas demandas em prática.
Ao vereador cabe elaborar as leis municipais e fiscalizar a atuação do Executivo – no caso, o prefeito. São os vereadores que propõem, discutem e aprovam as leis a serem aplicadas no município. Também é dever do vereador acompanhar as ações do Executivo, verificando se estão sendo cumpridas as metas de governo e se estão sendo atendidas as normas legais.
Os vereadores fazem parte do Poder Legislativo, e discutem e votam matérias que envolvem impostos municipais, educação municipal, saúde pública, linhas de ônibus e saneamento, entre outros temas da cidade. Cada vereador é eleito de forma direta, pelo voto, tornando-se um representante da população. Por isso, deve propor projetos que estejam de acordo com os interesses e o bem-estar do povo.
Além das votações, os vereadores também têm o poder e o dever de fiscalizar a administração, cuidando da aplicação dos recursos e observando o orçamento. É dever deles acompanhar o Poder Executivo, principalmente em relação ao cumprimento das leis e da boa aplicação e gestão do dinheiro público. Os Vereadores votam o Orçamento Público. Aprovam a proposta da Prefeitura, definindo onde os recursos serão investidos e possuem Emendas Parlamentares, decidindo sobre parte da aplicação dos recursos públicos, individualmente.
A função legislativa consiste, basicamente, em elaborar, analisar, propor alterações, discutir, votar, aprovar ou rejeitar leis de interesse da coletividade, propostas tanto pelos próprios vereadores quanto pelo chefe do Executivo Municipal, ou em casos muito excepcionais, de projetos oriundos da própria sociedade.
Esta atribuição típica é detalhada na Lei Orgânica Municipal, que estabelece as matérias de competência do Poder Legislativo Municipal. Mas é preciso levar em conta, sempre, o que disciplina a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 30:
"Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual."
Pode-se citar como exemplo de função típica, o processo legislativo que envolve projetos de lei, projetos de decreto legislativo, projetos de resolução, propostas de emenda à Lei Orgânica, projetos de Codificação, além da votação de vetos, projetos de lei que envolvem o Orçamento Anual, a reforma ou alteração regimental e a fixação de subsídios dos agentes políticos, entre outros.
Também faz parte da atribuição típica conferida ao vereador fiscalizar os atos promovidos pela administração pública, seja ela direta ou indireta. Esta função está relacionada com o controle parlamentar, isto é, a atividade que o Poder Legislativo exerce para fiscalizar o Executivo e suas ações administrativas.
O artigo 31 da Constituição Federal assegura este direito ao vereador:
"Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei."
Entre as várias formas encontradas para o exercício deste direito, e por que não dizer como um dever, o vereador pode utilizar-se de pedidos de informação, formulados através de requerimentos; convocação de auxiliares e servidores, para prestar esclarecimentos e sanar dúvidas específicas, durante a realização de sessão ordinária; investigação de atos determinados, mediante a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI); análise de contas do Executivo Municipal, enviadas para aprovação no Legislativo Municipal; e, ainda, através do recebimento de petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer cidadão contra ato ou omissão de autoridade, e que por si só justifiquem a tomada de providências.
Porém, os atos na administração pública, obrigatoriamente são formais. Isso implica dizer que precisam ser documentados.
A Constituição Federal em seu artigo 37, determina os princípios norteadores dos atos praticados pela Administração Pública, in verbis:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)"
Seguindo essa premissa foi promulgada a Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que analogamente se aplica a todos os âmbitos da Administração Pública:
"Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
(...)
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:"
Nesse mesmo sentido, foi editado o Decreto nº 7.574, de 29 de setembro de 2011, que regulamenta os procedimentos dos Agentes Públicos da Receita Federal do Brasil, quanto ao processo administrativo fiscal.
Assim, o legislador municipal ciente das formalidades exigíveis, deve cumprir rigorosamente os diplomas legais, para formalização dos procedimentos fiscalizatórios. Quando não o fazem, após um longo e exaustivo processo administrativo, os atos são anulados judicialmente por carência das formalidades legais mínimas necessárias. Temos acompanhado decisões reiteradas nesse sentido através da imprensa.
Logo, se um cidadão é eleito para uma função e não corresponde a isso, ele é insuficiente. As pessoas esperam que que o eleito leve soluções para os bairros.
Então, apenas gravar vídeo, como se fosse influencer digital e publicar em suas redes sociais, é uma afronta aos princípios da administração pública, uma vez que eles regem que os atos devem ser formais e fundamentados juridicamente. Deve ser garantido a administração pública o direito de responder aos questionamentos levantados pelos vereadores. Quando simplesmente se grava um vídeo e publica nas redes sociais, não está se garantindo o direito constitucional a ampla defesa e ao contraditório. Um ato grave.
Diferente do que ocorre quando um fato é divulgado pela imprensa, pois a ela é imputada a responsabilidade de ouvir os dois lados e garantir a publicação das duas versões da história. O que não ocorre nas redes sociais, que fica registrado apenas e tão somente uma visão dos fatos, e pode não ser a correta.
Quais as consequências que temos visto ocorrer? O Poder Judiciário tem tomado providências, quando provocado e determinado a retirada das acusações levianas das redes sociais pessoais de quem publica inverdades. Porém o dano já está materializado, já ocorreu, a mentira já se espalhou. E ao agredido, acusado falsamente, só restará pedir uma indenização em dinheiro, como forma de compensar a agressão que passou.
Nas outras esferas da Administração Pública, os parlamentares: Deputados Estaduais, Federais e Senadores, possuem funções semelhantes, porém em outras instancias de atuação: nos Governos Estaduais ou no Governo Federal.
A estrutura da administração pública não é perfeita. Assim como os seres humanos, vivem buscando a perfeição, sem conseguir alcançar. Mas isso não dá a ninguém, mesmo com mandato, o direito de fazer acusações, sem respeitar a legislação vigente e oportunizar, de maneira formal que a administração pública se manifeste, encaminhe documentos, comprove as providências adotadas, enfim, exerça o seu direito de esclarecer e dar a sua versão dos fatos.
Em resumo, o papel do Vereador está longe de ser o mesmo de um influencer digital. Ele tem obrigação de agir com responsabilidade e cumprir rigorosamente suas atribuições legais. Isso também serve para os outros parlamentares. Logo, quando alguém se coloca à disposição da sociedade para exercer uma função, deve primeiro entender quais são suas competências, atribuições e limites. A função do Vereador não é só apontar os problemas, gravar live e recriminar. Precisa fazer parte da solução. Até mesmo porque o orçamento da prefeitura é aprovado pelos Vereadores, assim como a prestação de contas dos recursos executados. Os edis possuem emendas parlamentares e devem atuar para ajudar a resolver os problemas.
O foco deve ser o de diminuir a dor das pessoas. Os que já tiveram a oportunidade de exercer a função e irão se candidatar novamente, devem ser questionados pela sociedade sobre o real resultado e eficácia das suas ações no exercício dos seus mandatos. Se foi só apontar defeitos, a sociedade já saberá, que não cumpriram com suas obrigações.
*José Rodrigues Rocha Junior, Advogado, Jornalista, pós-graduado em direito constitucional, escritor, palestrante, consultor e conferencista.