Um esquema bilionário de descontos indevidos em aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) usava centrais de telemarketing para aplicar e administrar a fraude contra milhares de beneficiários. A revelação foi feita por uma ex-funcionária das centrais, ouvida pelo Metrópoles, que detalhou como as empresas lidavam com as queixas dos aposentados lesados.
Segundo a telefonista, que pediu anonimato, os atendentes recebiam instruções para alegar que a adesão às cobranças havia ocorrido por meio de links no WhatsApp, ligações de telemarketing ou durante o processo de concessão da aposentadoria — versões que enganavam os segurados e tentavam justificar os descontos sem autorização. “Eles não sabiam, e a gente também que trabalhava lá, nem sabia que isso era uma fraude”, contou.
As centrais Callvox e Truetrust Call Center — ambas localizadas no mesmo edifício em Brasília — concentravam o atendimento das reclamações. A Truetrust, criada em junho de 2023, tem entre seus sócios o lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como Careca do INSS, e Domingos Sávio de Castro, ambos investigados por movimentar milhões de reais no esquema e pagar propina a dirigentes do instituto.
A operação fraudulenta veio à tona com a Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal em abril, após uma série de reportagens do Metrópoles em dezembro de 2023. A investigação aponta que os desvios podem chegar a R$ 6,3 bilhões, e levou às demissões do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.
SAC da Fraude
De acordo com a ex-funcionária, os atendentes recebiam roteiros padronizados para lidar com os aposentados revoltados. A orientação inicial era prometer a devolução dos valores em até 10 dias — prazo que, com o tempo, foi se alongando para 20 e 30 dias, sem ressarcimento efetivo.
Roteiro mostra o que os funcionários deviam falar aos aposentados que notaram o desconto
Entre as entidades que utilizavam os serviços das centrais estão a Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), a Associação Brasileira dos Contribuintes do Regime Geral de Previdência Social (Abrasprev) e a Associação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas da Nação (Abapen). A CBPA, que não havia feito descontos até 2022, saltou para uma arrecadação de R$ 57,8 milhões no ano seguinte.
Apesar de citadas pela PF, a Abrasprev e a Abapen foram excluídas da ação da Advocacia-Geral da União (AGU), que bloqueou R$ 2,56 bilhões de 12 entidades envolvidas no esquema. A CBPA, no entanto, permanece como alvo.