Durante sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (11), o ministro Gilmar Mendes causou polêmica ao afirmar que admira o regime chinês ao defender a criação de um órgão regulador das redes sociais no Brasil.
“Nós todos somos admiradores do regime chinês, do Xi Jinping, que diz assim: ‘A cor do gato não importa, o importante é que ele cace o rato’”, disse Mendes, ao comentar a proposta de responsabilização das plataformas digitais pelo conteúdo publicado por usuários.
A declaração foi feita no contexto da análise de um processo que discute se empresas como X (ex-Twitter), Facebook e YouTube devem ser responsabilizadas por publicações feitas por terceiros.
Até o momento, nenhum dos ministros do STF contestou publicamente o uso da expressão “nós todos” por Mendes, sugerindo concordância com sua visão ou, ao menos, silêncio institucional.
O ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente da Corte, apenas corrigiu uma imprecisão: a frase usada por Gilmar Mendes é atribuída, na verdade, a Deng Xiaoping, e não a Xi Jinping.
A fala de Gilmar Mendes contrasta fortemente com a realidade do regime chinês, classificado como ditadura repressiva por diversas organizações internacionais de direitos humanos.
Segundo o relatório mais recente da Freedom House, publicado em 2025, a China:
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Recebe nota 9/100 em liberdade global e liberdade na internet;
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É classificada como "não-livre", ao lado de países como Coreia do Norte e Arábia Saudita;
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Foi descrita como um regime que aumenta o controle sobre mídia, religião, empresas e universidades;
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Quebrou o sistema de pontuação no quesito “Liberdade Política”, atingindo -2 pontos numa escala de 0 a 40.
A Freedom House, fundada em 1941, é uma das principais referências mundiais na análise da liberdade e democracia ao redor do mundo.
O índice V-Dem (Varieties of Democracy), da Universidade de Gotemburgo (Suécia), também classifica a China como uma "autocracia fechada", o tipo mais rígido de ditadura, sem qualquer liberdade política.
Em contrapartida:
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Brasil aparece como “democracia eleitoral”;
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Japão e Itália são listados como “democracias liberais”;
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Egito, Rússia e Iraque são chamados de “autocracias eleitorais”.
As redes sociais mais populares do mundo — como Google, YouTube, Facebook e X — são bloqueadas na China. O país criou o chamado “Grande Firewall”, um sistema avançado de censura e vigilância digital.
O controle é exercido por três órgãos estatais: o Ministério da Indústria da Informação, o Conselho Estatal de Informação e o Departamento de Propaganda do Partido Comunista.
“O governo exerce forte controle sobre o conteúdo das mídias, sempre com a justificativa de manter a estabilidade. Quem divulga conteúdo problemático pode ser interrogado, demitido ou preso”, explica Fernanda Brandão, coordenadora do curso de Relações Internacionais do Mackenzie Rio.
A liberdade religiosa também é inexistente na China. O regime escolhe os bispos católicos e impede a construção de igrejas cristãs. A perseguição a muçulmanos uigures já foi denunciada por entidades internacionais como:
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Anistia Internacional – que identificou abusos massivos e sistemáticos;
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Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos – que apontou “restrições severas” e campos de reeducação.
Para o cientista político Márcio Coimbra, presidente-executivo do Instituto Monitor da Democracia, o Brasil deveria mirar em democracias maduras, e não em ditaduras.
“Não podemos basear qualquer tipo de regulação em países autocráticos, porque eles não dialogam com os mesmos valores da nossa Constituição, que assegura a liberdade e a democracia”, afirmou.
A fala de Gilmar Mendes usando a China como exemplo para a regulação das redes sociais no Brasil gerou preocupação por ressaltar um modelo de controle rígido, censura e perseguição — justamente o oposto do que garantem as democracias liberais.