Duas mulheres foram presas nesta quarta-feira (21/5) após serem flagradas arrastando um menino autista de 8 anos pelas pernas em uma clínica de terapia localizada na Feira dos Importados, no Distrito Federal. Segundo a Polícia Militar do DF, as suspeitas são uma psicóloga de 26 anos e uma fisioterapeuta de 36 anos, autuadas em flagrante pelo crime de maus-tratos.
A denúncia foi feita pela mãe do menino, Heloisa Iara, que recebeu imagens do episódio e acionou a polícia. Em vídeos divulgados nas redes sociais, é possível ver o momento em que o menino, identificado como Pedro, é puxado no chão pelas funcionárias da clínica Unica Kids, onde realizava acompanhamento três vezes por semana.
“Hoje o Pedro estava na terapia, que é um lugar para ele ser cuidado. Mais uma vez deixaram ele fugir e ele foi tratado igual bicho. O que fizeram é um absurdo”, desabafou a mãe pelos stories enquanto registrava a ocorrência.
De acordo com Heloisa, ela só soube do caso após ser alertada por uma amiga, que também é mãe de uma criança atendida na clínica. Ao chegar no local, ela confrontou os responsáveis e relatou que encontrou os funcionários tentando minimizar a situação. “A diretora estava mais preocupada em saber quem passou as imagens pra gente do que com o que fizeram com meu filho”, disse.
A Polícia Militar foi acionada e, ao chegar na clínica, ouviu o pai da criança, que confirmou os maus-tratos. As duas funcionárias foram conduzidas à 5ª Delegacia de Polícia, onde o caso segue em apuração. Segundo a Polícia Civil, ambas foram liberadas após o pagamento de fiança no valor de R$ 3 mil cada.
Em nota, a clínica Unica Kids afirmou que se trata de um caso isolado e que medidas administrativas imediatas foram adotadas. A direção destacou ainda que as profissionais terão direito à ampla defesa e ao contraditório.
A presidente da Comissão de Defesa das Pessoas com Autismo da OAB/DF, Flávia Amaral, categorizou o caso como “absurdo” e destacou a necessidade de preparo e respeito à legislação por parte das instituições que atendem pessoas com deficiência. “As imagens são revoltantes. Eu, que também sou mãe atípica, me revolto e me solidarizo com essa família. É um absurdo que clínicas que estão ali dispostas a lidar e tratar com autista tenham que agir com violência, agir nesse sentido. Mesmo com toda legislação que nós temos, com a Lei Berenice Piana, com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, ainda temos essa violência. As instituições precisam se preparar”, afirmou a advogada.
O Movimento Autistas Brasil também se pronunciou, emitindo nota de indignação. O grupo afirmou que o episódio escancara falhas estruturais e evidencia um modelo de gestão focado na produtividade e não no cuidado.
Veja nota da Autistas Brasil
A Autistas Brasil manifesta indignação diante das imagens chocantes que mostram uma criança autista sendo arrastada por funcionários de uma clínica no Distrito Federal. Mais do que um caso isolado, esse episódio escancara as graves falhas estruturais de um modelo de intervenção que se apresenta como terapêutico, mas opera na lógica da obediência, do lucro e da violência institucional.
A Análise do Comportamento Aplicada (ABA), amplamente difundida como “terapia para autismo”, se sustenta em comandos, reforços e punições. Quando uma criança chora, resiste ou foge, sua reação não é escutada — é enquadrada como um “comportamento a ser corrigido”. A subjetividade autista é apagada em nome de metas externas. O que vimos no DF foi o reflexo direto dessa lógica: uma criança sendo levada à força de volta a um espaço que claramente a violentava.
Esse modelo não é orientado pelo cuidado, mas pela produtividade. Clínicas ABA lucram mais quanto mais horas uma criança permanece em “tratamento”, mesmo sem evidência robusta de eficácia. A Revisão Sistemática da Cochrane, referência global em saúde baseada em evidências, já apontou a baixa qualidade dos estudos sobre ABA, com sérios conflitos de interesse e ausência de dados sobre segurança. O próprio Ministério da Saúde, por meio de parecer técnico do Hospital Sírio-Libanês, destacou o baixo rigor científico e os riscos envolvidos nessa prática.
Não podemos permitir que métodos invasivos, de eficácia duvidosa, sejam aplicados sem fiscalização ou responsabilidade. É urgente regulamentar a ABA no Brasil e garantir que intervenções com crianças sejam feitas exclusivamente por profissionais qualificados, com formação técnica e ética — como exige a psicologia brasileira.
A alternativa existe e precisa ser fortalecida. Modelos como DIR FloorTime, Integração Sensorial e SCERTS priorizam a escuta, a regulação emocional e a comunicação, respeitando a singularidade da criança autista. Eles não tentam “corrigir” a neurodivergência, mas construir caminhos de desenvolvimento afetivo, relacional e humano.
A Autistas Brasil é hoje a única organização nacional que denuncia abertamente a violência institucional contra crianças autistas. Lutamos contra a medicalização da infância, a imposição de terapias sem escuta e o uso de práticas punitivas travestidas de cuidado.
Reafirmamos: terapia sem ética é violência. Ciência sem compromisso é oportunismo. O que aconteceu no DF é parte de um sistema que precisa ser urgentemente desmantelado. O silêncio diante disso é cumplicidade.