A analista de RH Patricia Anny Baptista viveu, em 2017, uma situação que mudaria sua vida para sempre. Internada após um desmaio, ela recebeu a notícia de que estava grávida de três meses — um mês depois de ter sido submetida a uma cirurgia bariátrica pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
— Na hora eu surtei — lembra Patricia.
Na época, Patricia já era mãe e lidava com obesidade grau II, gordura no fígado, pré-diabetes, hipertensão e dores crônicas. Com dificuldade para engravidar novamente, ela buscou orientação médica e ouviu de especialistas que a bariátrica poderia ajudá-la a realizar esse desejo. Em 25 de maio de 2017, passou pela cirurgia.
Desde os primeiros dias do pós-operatório, Patricia sofreu com vômitos intensos e dificuldades para se alimentar. Um mês depois, desmaiou e foi levada ao hospital, onde exames revelaram a gestação já avançada. Durante toda a gravidez, continuou perdendo peso e teve de lidar com o risco constante para a própria vida e a do bebê.
— Os médicos só falavam pra eu tentar comer, pra fazer uma forcinha. Mas eu não conseguia — conta.
Segundo Patricia, em nenhum momento a equipe sugeriu alternativas nutricionais como a nutrição parenteral, e o prognóstico era desanimador. Os médicos diziam que o feto não era viável. Mesmo assim, a analista manteve a fé e seguiu com a gestação.
Camila nasceu prematura, com 28 semanas, 540 gramas e 28 centímetros.
— Ela nasceu sem vida, mas quando a enfermeira pegou ela no colo, voltou a respirar sozinha — recorda.
A bebê enfrentou seis meses de internação na UTI neonatal, com episódios de sepse, paradas cardíacas e complicações graves. Sobreviveu, mas ficou com sequelas. Hoje, aos 8 anos, Camila pesa 14 quilos e vive com deficiências motoras, cognitivas, respiratórias e um distúrbio autoimune na tireoide.
Patricia também carrega marcas emocionais. Diagnosticada com transtorno de estresse pós-traumático, faz uso de medicamentos e segue em terapia. A família moveu um processo contra o hospital, sob alegação de falha no protocolo pré-operatório, já que, segundo Patricia, se um novo teste de gravidez tivesse sido feito no dia anterior à cirurgia, a história seria outra.
— Eu não queria dinheiro pra mim. Queria pagar uma fono ou fisioterapia pra minha filha. Hoje pago plano de saúde e estou na fila de consulta no SUS porque não consigo pagar R$ 800 em neurologista particular — desabafa.
Para o cirurgião Tiago Szegö, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, não há norma que obrigue a repetição do teste de gravidez antes da cirurgia. Ele explica que o Beta hCG é solicitado nos exames pré-operatórios, mas que o intervalo entre os exames e a cirurgia pode ser longo no SUS, o que dificulta a atualização do resultado.
O médico também destaca que a recomendação é evitar gravidez nos primeiros 12 a 18 meses após a bariátrica, devido ao risco de desnutrição materna e ao impacto no desenvolvimento do feto.
O caso de Patricia expõe não apenas os desafios da rede pública no acompanhamento de pacientes bariátricos, mas também as consequências que uma simples falha de protocolo pode causar na vida de duas pessoas.