Vale o Escrito - A Guerra do Jogo do Bicho, a nova série documental do Globoplay lançada no começo de novembro, aborda o submundo do jogo do bicho. Dividida em sete capítulos com 1h de duração cada, a criação do jornalista Fellipe Awi explora os detalhes nunca antes revelados sobre esquemas fraudulentos, expansão de grupos criminosos e a vida íntima de chefões da contravenção penal e seus descendentes.
Em cada um dos capítulos, são ouvidos especialistas e familiares de criminosos envolvidos com apostas ilegais. A narração é de Pedro Bial, que está na supervisão artística do novo projeto do Conversa.Doc, núcleo de documentários do seu programa na Rede Globo. O primeiro episódio está aberto para não assinantes. Para acompanhar os detalhes de Vale o Escrito, veja mais a seguir.
Enredo de Vale o Escrito
Os episódios tem como foco mostrar como a "loteria do povo", eufemismo para jogo do bicho, conquistou espaço no Rio de Janeiro, arrecadando milhões de forma ilegal. Criada há 130 anos, a bolsa de apostas aparentemente inocente se tornou a fonte de renda para organizações criminosas nos anos 1970. Na época, foi criado um grupo intitulado "Cúpula dos Contraventores", encabeçado por famílias que controlavam pontos de jogo do bicho em diversas áreas da cidade.
Cada episódio do documentário foca em personagens específicos, mostrando os bastidores de conflitos, prisões, assassinatos, divisão de território e a vida pessoal dos principais criminosos. O envolvimento desses grupos, porém, vai além do reduto criminal, envolvendo outras áreas de investimento, como é as escolas de samba criadas e financiadas por bicheiros.
Na visão do diretor Felipe Awi, criador, diretor e roteirista da série, "eles (os bicheiros), de fato, mudaram o carnaval carioca. Botaram num patamar maior, mais luxuoso. Que foi pro mundo inteiro. Graças ao dinheiro que eles levaram do bicho pra lá. Um dinheiro ilegal." Agremiações como Acadêmicos do Salgueiro, Beija Flor, Mocidade Independente de Padre Miguel e Unidos de Vila Isabel tiveram em seus núcleos administrativos pessoais ligadas ao jogo do bicho no Rio.
A realidade do Jogo do Bicho
As agremiações tinham o apoio de famílias poderosas no meio da contravenção, o que é retratado na série documental. Waldermir "Miro" García foi padrinho do Salgueiro, e seus filhos e genros estiveram na administração da escola. Castor de Andrade, outro contraventor popular no RJ, lavava dinheiro por meio de investimentos na Mocidade. E Aniz "Anízio" Abraaão Diniz foi presidente da Beija Flor. Seu filho Gabriel David, atual diretor de marketing da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), foi cotado para suceder o pai no gerenciamento da agremiação.
Um dos entrevistados de Vale o Escrito é Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, ex-presidente da escola de samba Vila Isabel e atualmente em prisão domiciliar. Confirmando a visão de Awi sobre a influência do jogo do bicho no carnaval do Rio, o contraventor é taxativo. "O partido político mais organizado do estado do Rio chama-se jogo do bicho porque nós temos diretório nos 93 municípios do estado, uma direção única, e nós não temos briga", explica Guimarães.
Especialistas ouvidos no documentário mostram que esse lado empresarial dos bicheiros com agremiações auxilia na criação de um capital social em comunidades do Rio. Ainda que a contravenção penal e a violência do crime organizado andem lado a lado, os bicheiros não deixam de desempenhar um "papel social" ao contribuir com as atividades sociais e outras benfeitorias comunitárias das escolas de samba.
As semelhanças entre o mundo do jogo do bicho e a máfia italiana são tentadoras. Porém, para Pedro Bial, as apostas ilegais brasileiras tem o seu diferencial. "Mostramos que a máfia brasileira, carioca, é única no mundo, poderosa, com uma expressão estética incomparável”, explica o apresentador. Já para Gian Carlo Belotti, um dos diretores, o documentário tem uma grande contribuição no debate da segurança pública: "enxergo a obra como necessária para entender o papel do Jogo do Bicho como parte do cenário de violência no Estado”, explica Belotti.
Repercussão entre público e crítica
No momento, a série conquistou nota 8,9 no IMDb, avaliação baseada na nota dos usuários. Até agora, Vale o Escrito não teve presença nos sites Rotten Tomatoes e Metacritic. A jornalista Patrícia Kogut, do jornal O Globo, elogiou o trabalho da série, dando ao projeto "nota mil". Em sua análise para a rádio CBN, "Vale o Escrito é, sem sombra de dúvida, a melhor novela em cartaz hoje, uma novela sem heróis, só com vilões".