O primeiro-ministro do Japão, Shigeru Ishiba, anunciou que permanecerá no cargo mesmo após seu partido perder a maioria na Câmara dos Conselheiros, equivalente ao Senado, nas eleições do último domingo (20). O grande protagonista da disputa, porém, foi o avanço surpreendente do ultranacionalista Sanseito, que saltou de uma cadeira para 14, tornando-se a quarta maior força de oposição do país.
Fundado oficialmente em 2020, durante a pandemia. Desde então, a sigla passou a adotar um tom nacionalista, com críticas à imigração, ao globalismo e às políticas progressistas. “O Japão está se tornando uma colônia de interesses estrangeiros”, declarou recentemente o líder do partido, Sohei Kamiya, em comício.
Veterano do Exército e ex-personagem marginal da política japonesa, Kamiya imita abertamente a retórica e os trejeitos do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, inclusive no slogan: “Japão em primeiro lugar”. Durante a campanha, defendeu limitar o número de imigrantes e turistas, dificultar o acesso à cidadania e proibir que naturalizados ocupem cargos públicos.
O discurso ganhou fôlego especialmente entre homens jovens e trabalhadores da classe média. Segundo pesquisas, esse perfil é atraído pelo estilo combativo de Kamiya, que se apresenta como um outsider e desafia a elite política tradicional. “Minhas palavras tocam o coração do eleitorado masculino”, afirmou o líder, que também propôs maior investimento em defesa, regras mais rígidas de segurança interna e até abrigar armas nucleares dos EUA em território japonês.
Durante a campanha, o Sanseito também atacou políticas de igualdade de gênero. Kamiya chegou a afirmar que essas medidas “impedem que as mulheres tenham filhos”, alegando que as japonesas deveriam “pensar menos no trabalho e mais na maternidade”.
Com mais de 4 milhões de estrangeiros vivendo no Japão e um número recorde de 37 milhões de turistas em 2024, a agenda anti-imigração tem inflamado parte da população, insatisfeita com a estagnação econômica e escândalos no governo. Essa frustração também contribuiu para a queda do Partido Liberal Democrático (PLD), que domina a política japonesa há décadas.
“O Japão sempre foi visto como imune ao populismo de extrema direita, mas essa eleição mostra que esse fenômeno pode ganhar força por aqui também”, analisa o professor Jeffrey Hall, da Universidade Kanda. Ele pondera, no entanto, que o futuro do Sanseito ainda é incerto. “Se os eleitores sentirem que foram enganados, podem migrar de volta para os partidos tradicionais ou buscar novas alternativas.”
A eleição representou um abalo no equilíbrio político japonês e indica que o discurso populista e ultranacionalista, antes restrito às margens, está cada vez mais presente no debate público. Para o premiê Ishiba, o desafio agora será conter essa nova força enquanto tenta preservar sua liderança em um cenário cada vez mais fragmentado.