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DANIELLE BARBATO Quarta-feira, 17 de Maio de 2023, 15:52 - A | A

Quarta-feira, 17 de Maio de 2023, 15h:52 - A | A

DANIELLE BARBATO

A cassação de Dallagnol – Justiça ou injustiça do TSE?

Por Danielle Barbato Por unanimidade, o Plenário TSE cassou, na sessão desta terça-feira (16), o registro de candidatura de Deltan Dallagnol, eleito deputado federal pelo Podemos nas Eleições 2022 (sendo o deputado federal mais votado do Estado do Paraná, com 344.917 mil votos), sob o argumento de que, o ex-procurador da Lava-Jato cometeu irregularidade “ao deixar o Ministério Público enquanto ainda respondia procedimentos internos”, e por essa razão, teve o mandato cassado.  

O voto do Relator - ministro Benedito Gonçalves (o mesmo que teve um vídeo viralizado no início do ano, no qual dava um tapinha nas costas do também ministro Alexandre de Moraes, na diplomação de Lula, afirmando que “missão dada era missão cumprida”) – fundamentou ter havido “fraude à regra de inelegibilidade por conta do pedido de exoneração”, cujo pedido teria sido feito para frustrar a regra de inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, “q”, da LC 64/90. E foi acompanhado, à unanimidade, pelos demais julgadores.

Ideologias à parte, na humilde opinião desta subscritora, o TSE incorreu em equívoco ao agir com base em ‘futurologia’, o que é desprezível em matéria de Direito, seja para Pedro ou para Paulo. Sem contar que ignorou precedente da própria Corte em julgamento de caso similar.

Tive a curiosidade de pesquisar casos anteriores julgados pelo TSE e o que encontrei foram precedentes no sentido de que “[...] é da reiterada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral que ‘as causas de inelegibilidade devem ter interpretação estrita, porquanto atreladas ao exercício de direitos políticos fundamentais’ [...]”. (Ac. de 4.3.2021 no AgR-REspEl nº 060020632, rel. Min. Edson Fachin)

Logo, porque considero a mencionada decisão um equívoco?

Porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerou que houve infringência à Lei Complementar 64/1990, que trata das inelegibilidades.

Dallagnol, segundo consta, teria violado a alínea “q” do artigo 1º da norma, que “considera inelegíveis os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar”.

É fato que o artigo 1º, I, “q”, da LC 64/90, afirma serem inelegíveis para qualquer cargo, os magistrados e membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória (oriundo de julgamento que acolhe acusação fundada em Processo Administrativo Disciplinar – PAD), que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração na pendência de julgamento de processo administrativo disciplinar (PAD).

 Todavia, o ex-procurador apresentou em suas redes sociais uma certidão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que foi anexada aos autos, datada de 16/12/2021, que atesta que o mesmo “não respondia a nenhum Processo Administrativo Disciplinar (PAD) quando se exonerou, um ano antes das eleições, em 2021” (sic). Nem instaurado, nem em tramitação.

Aliás, o próprio relator-julgador reconhece que Dallagnol não respondia a nenhum PAD, quando afirma que “é inequívoco que o recorrido, quando de sua exoneração a pedido, já havia sido condenado às penas de advertência e censura em dois PADs findos, e que, ainda, tinha contra si 15 procedimentos diversos em trâmite no CNMP para apurar outras infrações funcionais”.

O problema consiste no fato de que, a LC 64/90 em momento algum impede que servidor público punido com penalidade administrativa de advertência ou censura concorra em eleições. Ou seja, ausência de previsão legal.

Existe sindicância que resulta em PAD e sindicância que não gera PAD. Fato é que, no momento do pedido de exoneração não haviam PADs pendentes de julgamentos. É o que prevê literalmente o texto legal.

Quem estuda e milita no Direito Administrativo, sabe que “procedimento diverso” não é PAD, que exige um juízo de admissibilidade de fatos mais graves, PAD é PAD, que não se mistura com sindicâncias e outros procedimentos internos.

Mas, ainda assim, o TSE entendeu que Deltan pediu exoneração para “não esperar o resultado das sindicâncias e correr o risco de sofrer PAD” e que  cometeu “fraude à lei, porque se demitiu para não responder a um PAD”, conquanto sequer exista essa previsão legal no ordenamento jurídico, tratando-se de interpretação expansiva da lei. Interpretação essa que não é admitida para aplicação das regras de inelegibilidade, que devem ser interpretadas de forma restrita, conforme já mencionado em diversos outros julgados da Corte Eleitoral.

Aliás, entendimento esse que foi utilizado pelo TRE do Paraná ao indeferir – à unanimidade - o pedido de cassação do mandato, mas houve recurso dirigido ao TSE que resolveu de forma absolutamente contrária.

Isso porque, o ordenamento jurídico compreende que normas que limitem direitos políticos fundamentais devem ser interpretadas de forma restritiva: ‘As restrições a direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, consoante lição basilar da dogmática de restrição a direitos fundamentais, axioma que deve ser trasladado à seara eleitoral, de forma a impor que, sempre que se deparar com uma situação de potencial restrição ao ius honorum, como sói ocorrer nas impugnações de registro de candidatura, o magistrado deve prestigiar a interpretação que potencialize a liberdade fundamental política de ser votado, e não o inverso’ [...]”. (Ac. de 10.12.2020 no REspEl nº 060022730, rel. Min. Sérgio Banhos.)

Logo, se fosse verdadeira a presunção de que Deltan pretendeu se furtar a responder o que um dia poderia ser um PAD por suposta “artimanha”, certo é que essa “artimanha” só poderia resultar em inelegibilidade do candidato se a lei expressamente previsse essa possibilidade.  Todavia, não existe essa previsão legal.

Ao contrário disso, a lei prevê expressamente o momento em que pode ocorrer a exoneração a pedido do servidor que pretende concorrer a cargo político: Após a instauração do PAD. Antes disso é mera especulação e não consta no texto legal.

Além disso, não pode a Justiça Eleitoral – a pretexto de argumentação – fazer um pré-julgamento se esses procedimentos resultariam ou não em uma possível, hipotética e não sabida punição (prática da futurologia).

Ora, existe uma certidão emitida pela respectiva instituição atestando que não preexistia nenhum PAD aberto em desfavor do ex-procurador concomitante ao pedido de exoneração. Seria essa a interpretação literal da lei. Seria mas não foi.

Pela interpretação conferida pelo TSE – de forma ampliada e equivocada – resulta na punição do ex-deputado antes mesmo de ser investigado. Tal estigma se apresenta desde logo como uma espécie de pena antecipada, uma punição que sequer depende de juízo de culpa, pelo contrário, inverte a lógica constitucional da presunção de inocência.

Bem por isso, já dizia o jurista inglês do século XVIII, William Blackstone, que "é melhor que dez culpados escapem do que um inocente sofra". Para Benjamin Franklin, melhor que 100 pessoas culpadas escapem do que uma pessoa inocente sofra. Tudo com o fito de se evitar a injusta condenação de um inocente (em uma pequena analogia).

Há que se ter um compromisso com a efetivação da justiça e da busca da verdade. E aqui não se está a falar de uma ideia errônea e medieval de busca da "verdade real", que em tempos mais sombrios que os nossos justificava todo tipo de violação de direitos a pretexto de uma suposta e falaciosa verdade.

Infelizmente, o Direito – nos últimos tempos - tem sido usado em nosso país para atender às vontades de quem está no poder.   A divergência e interpretação extensiva no mencionado julgamento (em relação aos precedentes da própria Corte) seria um eventual equívoco ou seria o “revanchismo” (sempre prometido publicamente por Lula – contra seus opositores na Lava-jato, ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador, Deltan Dallagnol)?!   É a dúvida que fica!   *Danielle Barbato é advogada especializada em Direito Civil e Processo Civil, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Direito Imobiliário e Gestora Condominial.      

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