Em 18 de maio de 1973, Araceli Cabrera Crespo, uma menina de apenas oito anos, saiu de casa no bairro de Fátima, na Serra (ES), rumo à Escola São Pedro, na Praia do Suá, em Vitória. Era uma sexta-feira comum, até que sua rotina foi brutalmente interrompida. Araceli desapareceu naquela tarde e, dias depois, seu corpo foi encontrado carbonizado e desfigurado. Meio século depois, o caso permanece sem solução, envolto em contradições e impunidade.
O assassinato de Araceli, cruel e bárbaro, comoveu o país. Raptada, drogada, estuprada, morta e abandonada em uma mata atrás do Hospital Infantil de Vitória, a menina teve o corpo reconhecido inicialmente pelo próprio pai, Gabriel Sanchez Crespo. No dia seguinte, ele voltou atrás, mas exames posteriores confirmaram a identidade da criança.
O caso ganhou contornos ainda mais nebulosos à medida que a investigação avançava. Um adolescente afirmou ter visto Araceli, após sair da escola, em um bar no cruzamento das avenidas Ferreira Coelho e César Hilal. Ela teria ficado brincando com um gato no local, antes de desaparecer.
A partir daí, a polícia se deparou com uma teia de informações desencontradas e suspeitos de famílias influentes. Três nomes foram apontados como os principais acusados: Paulo Constanteen Helal, Dante de Barros Michelini (conhecido como Dantinho) e seu pai, Dante de Brito Michelini — membros da elite capixaba.
Segundo a denúncia do promotor Wolmar Bermudes, Araceli teria sido levada por Helal ao Bar Franciscano, de propriedade dos Michelini, onde teria sido mantida sob efeito de drogas, estuprada e, posteriormente, morta. A versão sustentava que, ao entrarem em pânico com a morte da criança por overdose, os agressores abandonaram o corpo em uma área de mata.
Apesar das acusações e de uma condenação inicial, os réus foram absolvidos em instâncias superiores por falta de provas. Em 1980, o juiz Hilton Silly chegou a sentenciar os três homens a penas de prisão. Em 1991, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo anulou a condenação. O juiz Paulo Copolilo reavaliou o caso por cinco anos e, em 1993, absolveu os acusados. O crime prescreveu no mesmo ano, encerrando o processo sem responsabilização penal.
Família marcada pela tragédia
As consequências do crime devastaram a família de Araceli. Seus pais se separaram após a morte da filha. Dona Lola voltou para a Bolívia, sua terra natal. Gabriel permaneceu no Brasil, onde faleceu em 2001. O irmão mais velho de Araceli, Carlos Cabrera Crespo, tinha 13 anos na época. Em 2016, ele quebrou décadas de silêncio em uma entrevista:
“Apesar de todo esse tempo, não passa um dia que eu não penso nela. A gente convivia muito. Eu sinto muita saudade”, relatou emocionado.
Carlos também rebateu as suposições de que a família conhecia os acusados. “Nunca tínhamos ouvido falar nesses nomes. Meu pai era operário, minha mãe dona de casa. Acusaram essas pessoas sem nenhuma ligação com a gente.”
Símbolo de luta
Em meio à dor e à impunidade, o nome de Araceli virou símbolo de resistência. Desde o ano 2000, o dia 18 de maio foi oficializado como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em memória da menina.
O caso Araceli é lembrado como um dos episódios mais chocantes da história criminal brasileira. Mais do que a brutalidade do crime, a falta de justiça ao longo de cinco décadas ainda revolta a sociedade e coloca em xeque a eficácia do sistema judiciário quando interesses e influências se sobrepõem à busca por verdade.
Cinco décadas se passaram desde aquele maio de 1973. Ainda assim, as perguntas continuam ecoando: quem matou Araceli Cabrera Crespo? Por que a justiça falhou?