A 3.700 metros de altitude, sobre o desfiladeiro do rio Apurímac, no Peru, fica a Q’eswachaka — a última ponte de corda original do Império Inca ainda utilizada. Construída inteiramente com fibras vegetais e técnicas ancestrais, ela é restaurada todos os anos por comunidades andinas, que mantêm vivo um ritual de mais de seis séculos.
Feita de uma grama resistente chamada ichu, trançada em cordas grossas, a ponte tem cerca de 29 metros de comprimento e 1,2 metro de largura. Sua reconstrução ocorre anualmente, geralmente no mês de junho, reunindo moradores de quatro comunidades da região: Huinchiri, Chaupibanda, Chocayhua e Collana Quehue.
O trabalho de reconstrução dura quatro dias. No primeiro, as mulheres colhem e preparam as fibras, enquanto os homens organizam a estrutura, removendo a ponte antiga e instalando as novas cordas principais. No segundo e terceiro dias, são feitas as cordas menores, o piso e os corrimões. Ao final, a nova ponte é testada e oficialmente reinaugurada, em meio a danças, música, comidas típicas e cerimônias de agradecimento aos espíritos das montanhas.
Mais que uma construção funcional, a Q’eswachaka é símbolo de união e resistência cultural. A prática reforça valores comunitários como a mink’a e o ayni — formas tradicionais de trabalho coletivo e reciprocidade —, fundamentais para as comunidades rurais andinas.
Reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial pela Unesco em 2013, a ponte também atrai turistas interessados em conhecer a história viva dos Andes. Mesmo com uma ponte moderna instalada próxima dali, a Q’eswachaka segue sendo construída a cada ano, como forma de preservar os saberes e a identidade de um povo que resiste ao tempo.
Durante a pandemia, em 2021, a ponte chegou a desabar devido à falta da reconstrução anual. Mas em poucos meses foi refeita pelos moradores, reafirmando a importância desse patrimônio não apenas como obra de engenharia, mas como expressão de memória, fé e tradição andina.