Nunca se falou tanto sobre saúde mental. Se antes era um assunto restrito aos consultórios e aos livros especializados, hoje transtornos como ansiedade, depressão e TDAH viraram temas de memes, vídeos virais no TikTok e discussões acaloradas nas redes sociais. Ao mesmo tempo, cresce o número de diagnósticos e prescrições de remédios psiquiátricos, enquanto boa parte da população mundial se sente mais ansiosa, deprimida e sobrecarregada.
No recém-lançado livro O que os psiquiatras não te contam (Fósforo Editora), a psiquiatra e pesquisadora Juliana Belo Diniz, doutora pela Universidade de São Paulo e especialista em pesquisa clínica pela Universidade Harvard, reflete sobre o papel da psiquiatria e seus limites em meio a esse cenário. Para ela, se por um lado a popularização do debate ajuda a reduzir tabus, por outro também alimenta diagnósticos precipitados e patologizações desnecessárias de aspectos naturais da experiência humana.
Crise adolescente e redes sociais
Um dos pontos centrais abordados pela psiquiatra é a saúde mental na adolescência. Para Juliana, é preciso cuidado para não transformar em doença o que faz parte do processo de amadurecimento. “Adolescentes sempre foram problemáticos, impulsivos, desafiadores. A diferença hoje é que, além de tudo isso, eles estão conectados a uma realidade virtual que os adultos não controlam”, afirma.
Segundo ela, há uma explosão de diagnósticos de TDAH e ansiedade entre os jovens, muitas vezes sem a devida avaliação. “A vida real envolve tédio, convivência com o outro, frustração. E estamos criando jovens que não toleram nada disso, querem tudo sob medida, e a internet favorece essa lógica”, explica.
A psiquiatria na cultura pop e os riscos do autodiagnóstico
Juliana observa que as redes sociais transformaram transtornos mentais em tendências. Termos técnicos como “gatilho”, “dopamina” e “espectro autista” passaram a fazer parte do vocabulário cotidiano, muitas vezes sem o rigor que exigem. “Hoje parece que todo mundo tem algo. E isso tem um lado perigoso, porque as pessoas acabam se apegando a rótulos como forma de dar sentido ao sofrimento, sem refletir sobre suas causas sociais e existenciais”, diz.
Esse fenômeno levou a um crescimento de autodiagnósticos, principalmente de TDAH e autismo. A psiquiatra alerta para a injustiça dessa tendência: enquanto pessoas com leves dificuldades de adaptação recebem laudos e reivindicam direitos, pacientes com quadros graves, como esquizofrenia e transtorno obsessivo-compulsivo, seguem invisibilizados.
O papel dos remédios e a ilusão de respostas fáceis
Apesar de avanços importantes, a psiquiatria, segundo Juliana, ainda opera muito na tentativa e erro. “Não existe teste genético ou exame que garanta que tal remédio vai funcionar. Cada pessoa reage de um jeito, e o que importa é a relação construída entre médico e paciente”, diz.
Ela também critica a medicalização excessiva do sofrimento humano. “Em certos nichos privilegiados, estamos medicando demais, enquanto em outros falta acesso. Mas o principal é lembrar que o remédio não resolve todos os problemas e que nem todo desconforto precisa de um diagnóstico”.
O hype dos psicodélicos e o futuro da psiquiatria
Com poucas novidades farmacológicas à vista, substâncias psicodélicas como ayahuasca e psilocibina voltaram ao debate, cercadas de expectativas. Juliana acredita que essas drogas terão papel em contextos terapêuticos específicos, mas não serão a revolução prometida. “A pesquisa ainda está muito contaminada pelo desejo de que dê certo. Quando essa empolgação passar, veremos o que realmente funciona”.
Para além do cérebro
Ao final, Juliana defende uma psiquiatria mais humana e consciente de suas limitações. “Muitas vezes somos chamados a resolver questões que são sociais, políticas, humanitárias. E precisamos reconhecer isso. Não é mexendo na dopamina de alguém que você resolve a opressão que ela vive”.
Enquanto memes de “terapia e clonazepam” fazem sucesso e vídeos explicando “como saber se você tem TDAH” viralizam, o desafio é resgatar a complexidade da saúde mental. Porque, como lembra Juliana, não existe esse ser humano normal com o qual todos tentam se comparar.