Seis grandes bacias hidrográficas do Cerrado perderam, em média, 27% da vazão de segurança entre as décadas de 1970 e 2010, o que equivale a 30 piscinas olímpicas por minuto e significa o acirramento da crise hídrica no bioma que abriga três dos principais aquíferos do país.
O alerta é do projeto Cerrado — O Elo Sagrado das Águas do Brasil, compilado pela Ambiental Media e que reúne dados coletados por 12 meses junto a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e do MapBiomas.
"O Cerrado sofreu muita perda de cobertura vegetal devido ao desmatamento feito pelo homem. E, aí, a gente precisa lembrar que a cobertura vegetal é que faz essa conexão entre a atmosfera e o solo. Então, quando você muda a cobertura vegetal, você muda também esse ciclo hidrológico", explica a professora Mercedes Bustamante, da biologia da Universidade de Brasília (UnB).
O estudo mostra que o avanço da pecuária extensiva é uma das principais causas do desmatamento no Cerrado. O bioma tem, hoje, 4,2 milhões de hectares de pastagens degradadas, o que representa que 10% da terra utilizada vem sendo para a criação de gado. Além disso, a entrada da monocultura — que desmata grandes extensões de vegetação nativa — utiliza grande quantidade de insumos químicos, poluem os aquíferos ou inviabilizam o consumo da água — o que faz com que o custo do tratamento aumente.
De acordo com o levantamento da Ambiental Media, para entender a demanda crescente por água no Cerrado, foi analisado o desmatamento por conta do avanço da soja, entre 1985 a 2022, com dados do MapBiomas. Constatou-se que houve uma redução de 22% na vegetação nativa e um aumento de quase 20 vezes na área plantada de soja — de 620 mil hectares pulou para 12 milhões de hectares. Atualmente, o bioma ocupa 25% do território brasileiro e apenas 20% de toda sua área são legalmente protegidas. O ritmo do desmatamento já superou os 10 mil km² por ano.
"Quando o Cerrado é devastado, estamos colocando em risco os recursos hídricos do Brasil", alerta Yuri Salmona, e diretor-executivo do Instituto Cerrados. O bioma é o coração das águas do Brasil, pois abastece oito de 12 regiões hidrográficas. Fornece 90% da água do Rio São Francisco e praticamente toda a do Pantanal. Até rios da Amazônia, como Xingu e Tapajós, dependem dele.
"Muita gente se preocupa com falta d'água ou preços altos, mas não liga isso ao desmatamento do Cerrado — e deveria", adverte Salmona.
O projeto Cerrado — O Elo Sagrado das Águas do Brasil focou na análise da vazão (que é a medida de quanta água passa por um determinado tempo, normalmente segundos, em uma tubulação, em um rio) de segurança dos rios do bioma, medida em m³/s por estações fluviométricas. Técnicos da Agência Nacional de Águas (ANA) ajustaram os dados mensais para pontos específicos, permitindo compreender a contribuição do Cerrado para as bacias e confirmar a perda contínua de água nos rios do bioma.