Homens adoecem mais e vivem menos que as mulheres em quase todos os países, segundo uma revisão global da Universidade do Sul da Dinamarca, publicada em maio na revista científica PLOS Medicine. A pesquisa analisou marcadores de gênero em saúde em mais de 200 países, focando em hipertensão, diabetes e HIV/Aids.
Os resultados mostram que homens têm taxas mais altas dessas doenças, morrem mais cedo por causa delas e procuram menos o sistema de saúde — tanto para diagnóstico quanto para tratamento.
O estudo aponta fatores sociais e culturais como principais explicações para esse padrão. Normas de gênero, comportamentos de risco e a associação entre doença e fragilidade ajudam a afastar os homens do cuidado com a saúde. Eles costumam fumar mais, negligenciar a prevenção e tendem a minimizar sintomas.
“Historicamente, o estereótipo do ‘ser homem’, associado a fatores sociais, culturais, políticos e econômicos, causa impactos negativos na saúde do homem”, diz o médico de família e comunidade Wilands Patrício Procópio Gomes, do Einstein Hospital Israelita. Entre os exemplos destacados por Gomes estão a ideia de que estar doente é sinônimo de fragilidade, a falta de conhecimento sobre o próprio corpo e eventuais sintomas, além do medo de diagnósticos.
No Brasil, dados do IBGE refletem esse cenário. Em 2023, a expectativa de vida masculina era de 73,1 anos, contra 79,7 anos das mulheres, uma diferença de quase sete anos. Os homens também fazem menos consultas de rotina e são mais resistentes a exames preventivos e a tratamentos contínuos. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, 82,3% das mulheres haviam ido ao médico no ano anterior, contra 69,4% dos homens.
Falta de acolhimento e estratégia
Para Gomes, a mudança começa na atenção primária, com ações específicas para atrair e acolher o público masculino. “A atenção primária, por ser a porta de entrada ao serviço de saúde, precisa conhecer bem sua população e desenvolver estratégias para ampliar o acesso e acolhimento a esse grupo, ofertar educação em saúde e exames de rastreio adequados para reduzir o impacto que os aspectos culturais e sociais podem ter no processo de saúde e adoecimento clínico, mental e psicológico”, enfatiza o médico de família e comunidade.
As consequências dessa resistência em recorrer ao sistema de saúde aparecem nas estatísticas de prevalência das doenças observadas pela pesquisa. Em relação ao HIV e AIDS, entre 2007 e julho de 2024, 70,7% dos casos no Brasil se deram em homens, segundo o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde de dezembro de 2024. Já doenças crônicas como hipertensão e diabetes, embora comuns a ambos os sexos, levaram mais homens a complicações fatais, como infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
Na prática clínica, Gomes observa que muitos homens ainda encaram o sistema de saúde como um recurso emergencial, acionado apenas em situações agudas, como dor ou lesão. “Também devemos considerar o estigma dos exames de rastreio de câncer de próstata, como o exame de toque”, lembra. Sem uma abordagem adaptada, afirma o médico, a tendência é de que esses indivíduos sigam distantes do cuidado — e mais expostos a mortes evitáveis.