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ARTIGOS Segunda-feira, 28 de Outubro de 2024, 10:40 - A | A

Segunda-feira, 28 de Outubro de 2024, 10h:40 - A | A

POR DANIEL MELLO

STF a La Carte - A confusa interpretação do Supremo sobre terceirização de serviços

Daniel Mello

 

Por Daniel Mello*

 

Muito já se escreveu sobre o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 725 e na ADPF 324 que declarou a licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim.

 

O entendimento assentado pela Suprema Corte, em ambos os julgamentos, revela-se a constitucionalidade de qualquer forma de terceirização de serviço (meio e fim), desde que não haja vínculo empregatício, de modo que as regras que caracterizam o vínculo (subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade) restaram intactas, assim como a proibição de contratação, via PJ, para casos em que se verifica a existência dos requisitos previsto na CLT (artigos 2º e 3º).

 

Neste contexto, é importante destacar que, o alcance do termo “pejotização” consiste na contratação de profissionais por meio de pessoas jurídicas com o único artificio: fraude para dissimular a relação de emprego.

 

Então, em resumo, o STF pacificou o entendimento (no Tema 725 e na ADPF 324) que é lícito uma empresa contratar outra para prestação de determinado serviço especializado das atividades-meio ou atividade-fim, todavia, isso não acontece na pejotização, que é uma pessoa física que “virou” empresa para trabalhar na empresa.

 

Após essas decisões do Supremo Tribunal Federal (em 2018), vem se multiplicando a interposição de Reclamações Constitucionais sob o fundamento de que os Tribunais Regionais do Trabalho têm desrespeitado o entendimento na ocasião pacificado pelo Corte.

 

Neste cenário, no último dia 22 (10/2024) durante o julgamento de um suposto caso de pejoticação, o Ministro Alexandre de Moraes teceu duras críticas aos autores-trabalhadores dessas ações trabalhistas (que buscam o reconhecimento da fraude que mascara o vínculo empregatício) chegando a sugerir que a Corte estabelecesse jurisprudência exigindo que o cidadão que entendesse que seu contrato, embora documentalmente registre uma suposta terceirização, e depois se desvelou uma maquiagem para um vínculo empregatício, somente pudesse ter sua ação aceita pelo Judiciário se pagasse todos os impostos devidos decorrentes dessa “alteração”- digamos – da relação jurídica em que se pretende buscar na Justiça.

 

Ao analisar o processo e a decisão liminar do Ministro Alexandre, fica a dúvida se o desacerto foi maior na decisão ou em suas delações durante o julgamento.

 

Isto porque, na ação trabalhista, cuja decisão do Tribunal do Regional do Trabalho fora objeto da Reclamação Constitucional, os desembargadores destacaram: “Verificou-se que a Ré simulou relação jurídica, o que configura fraude, a fim de a uma relação fática, distorcê-la para vesti-la com outra roupagem jurídica.”

 

Outrossim, sem inclusões nos preceitos legais, doutrinários e jurisprudenciais que embasaram a decisão dos desembargadores, buscando suplantar a abstração para o mundo real, convém destacar as considerações que facilitam o entendimento da coerência da decisão do Regional, vejamos:


- Fornecimento de plano de saúde (benefício incompatível com a relação entre uma pessoa jurídica e outra, já que pessoas jurídicas não se utilizam de atendimento de auxílio à saúde);
- Reajuste da remuneração nas mesmas datas dos dissídios coletivos dos empregados contratados (empresas não reajustam seus contratos de acordo com sindicatos de categoria de empregados);
- Redução da remuneração dos meses de maio e junho de 2020 em igualdade de tratamento previsto na MP 936/2020 (auxílio emergencial);
- Prestação de serviços de forma exclusiva a empresa (ou seja: empresa de um só suposto cliente);
- Pagamento de estabilidade e aviso prévio; aplicação de advertências (incompatível com uma relação entre pessoas jurídicas).

 

Portanto, no caso em destaque a decisão do tribunal regional, que, ao contrário do aduzido na decisão liminar e monocrática do Ministro Alexandre, não discutiu a legalidade da “terceirização” ou “pejotização”, e sim, amparada em robusta matéria probatória, atestou a existência de fraude trabalhista, de modo que o entendimento do STF (Tema 725 e na ADPF 324) citado na decisão não socorre os argumentos (escritos e verbalizados) do Ministro.

 

Acresça-se que a decisão do Ministro também desrespeita o devido processo legal, na medida em que é pacífica a jurisprudência do STF que sequer pode se admitir uma reclamação constitucional cujo conhecimento dependa do reexame do conjunto fáticoprobatório a que chegaram as instâncias ordinárias, no caso o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, ou seja, a Corte Suprema não pode receber reclamação que perpasse a análise das provas, já realizada pelo Regional.

 

É bom destacar, para o incauto leitor, que não se questiona o instituto da terceirização (legal e previsto no Tema 725 e na ADPF 324) que poderia ser benéfico e adequado ao mercado de trabalho moderno, todavia não se pode admitir a sua utilização de forma abusiva como no caso em análise no STF, e ainda, não se pode admitir o afastamento do devido processo legal, ou seja, existem regras no jogo jurídico que devem ser respeitadas, de modo que a reclamação não poderia ter sido recebida.

 

E para quem entende que respeitar a regra do jogo é igual a complacência com eventual ação trabalhista temerária, não entendeu nada do papel do direito, além de ser é raciocínio infantil, que não é adequado e admissível para quem tenha compromisso com direito, relembrando que o respeito a regra do jogo é fruto de evolução civilizatória.

 

Por fim, com respeito devido e merecido ao Ministro Alexandre de Morais, pode-se perceber as extravagâncias nas suas declarações, porque reverberou argumento fácil (e não real) como efeito moral, parecendo buscar mais causar impacto do que esclarecer os fundamentos da sua decisão, de modo que revelam-se argumentos jogados de forma absolutamente inconsistentes em face da complexidade do tema, chegando o absurdo de sugerir a imposição de obstáculo ao acesso à justiça em nítida afronta ao inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, além de afastar a isonomia entre os cidadãos brasileiros (caput do citado artigo).

 

Essa decisão além de literalmente ilegal, não revela uma resposta adequada ainda cria mais problema, talvez o Ministro Alexandre deveria ter levado para a turma e para ser julgado em órgão colegiado, todavia aguardemos os próximos capítulos dessa novela (triste e feia), uma tragédia na verdade, mas quem sabe tenhamos um final feliz.

 

Por fim, que não se esqueça que entre desiguais é a liberdade que oprime e a lei que liberta (Henri Dominique Lacordaire).

 Instagran: @danielmellosantosadv

 

*Daniel Mello dos Santos é advogado.
Membro da Comissão Especial de Direito Internacional da OAB Nacional.
Membro da Comissão Sindical da OAB/MT.
Atua em 14 Estados da Federação.

 

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